Durante a caminhada, muitos meios de comunicação, dentre jornais, revistas, emissoras de rádios, entre outros, cederam espaço para contar a história e receber ensinamentos do Curandeiro Bu’ú Kennedy, de sua trajetória, dos princípios de sua linha espiritual, assim como mensagens da vida. Neste post, está uma delas. Uma entrevista cedida em 2021 para o jornal Riovale, enquanto Bu’ú estava no Sul para conduzir cerimônias de xamanismo. No caso da entrevista, é tratado o assunto de pandemia, a qual hoje está mais amena na sociedade. De toda forma, são pontos de vista carregados de ensinamentos, dos quais temos a honra de compartilhar. Agradecemos também à Jornalista Ana Souza, que tornou possível esta matéria para disseminar bons pontos de vista no caminho de desenvolvimento do ser. Para acessar a matéria no jornal, acesse o link clicando aqui.

“O MUNDO PRECISA DE AJUDA E CURA”, DIZ INDÍGENA BU’Ú KENNEDY.

Um ambiente perfeito, que transmite uma paz interior. Foi nesse local, junto à natureza, em uma área externa do Espaço de Vie, de Fátima Siqueira, em Santa Cruz do Sul, que fui recebida pelo índio Bu’ú Kennedy para entrevista exclusiva ao Riovale Jornal. Ele esteve em nossa cidade no fim de semana para realizar uma cerimônia xamânica, uma prática ancestral que busca estabelecer uma ligação com o sagrado. Em seu ritual de cura utiliza inclusive o tabaco, planta que leva Santa Cruz do Sul a ser conhecida como a Capital Nacional do Fumo. Natural do Amazonas, ele é da linhagem dos yai’wá, ou seja, os onças. Bu’ú Ye’pá Mahsã (Kennedy), 43 anos, é facilitador de vivências, cura, artista plástico e palestrante cultural das tradições. Membro do Clã Uremirin Sararó, a Fátria Patrilinear do povo Ye’pá Mahsã da Amazônia, conhecida na sociedade como Tukanos. “Somos do Município de São Gabriel da Cachoeira, pertencente ao Estado do Amazonas. Conforme o IBGE, neste Município residem cerca de 40 mil habitantes, sendo 10 mil indígenas da tribo”. Bu’ú enfatiza o clã no qual pertence.

“Há muito tempo nossos avós receberam do Wauró, considerado o irmão maior, os conhecimentos das plantas para uso e os artefatos cerimoniais. Desenvolver, através da disciplina alimentar, a dieta, as habilidades, os talentos e a criatividade.”

“Ou seja, manejar uma ferramenta por meio de códigos com uso do poder da palavra, tudo para transmutar, limpar as energias. Chegar aqui em Santa Cruz, e no Espaço de Vie é poder trazer uma energia vital e fazer vibrar a luz”.

A CERIMÔNIA

Durante a cerimônia xamânica são feitos os benzimentos, chamados bahsese. “Utilizamos a holografia técnica. Fazemos rezas para limpar as magias e feitiços. Atendo também muitos casos de bruxaria negra, onde faço a limpeza com a mente, tendo como planta medicinal o tabaco. Converso, escuto e oriento as pessoas. Elas ficam frente a frente no ritual para quebrar todo o tipo de corrente que foi utilizada na bruxaria, tal como facas, lanças, fios, espada, cacos de vidros, entre outros. Claro que, na nossa tradição são utilizadas flechas, arcos, lanças e machadinhas”. Ele explica sobre os rituais de magia através da bruxaria. “Na cidade, aprendi que as pessoas fazem bonequinhos para os trabalhos de magia, com agulhas, pregos, linhas e os amarram. Na holografia analiso como está a situação da pessoa, segurando a planta do tabaco. Assim puxamos as cascas de certas plantas e assopramos em direção ao céu da boca da pessoa, em cima da língua, sendo encaminhado ao chamado portal. Através do tabaco proporcionamos a cura, por meio da energia da planta que traz a cicatrização espiritual. Pedimos que no dia da cerimônia as pessoas consumam comidas leves e bastante líquidos. Preservar a energia do corpo, nesse caso, não ter relações sexuais no dia e assim também de 7 a 10 dias após o ritual. Também não comer alimentos fritos e assados, apenas cozidos. Não comer carne de porco, abacaxi e abacate. Assim como a pessoa que faz cirurgia e fica de resguardo. Esse é o tempo que pedimos para a cicatrização da cirurgia espiritual”. Conforme o indígena, a cerimônia xamânica é uma cura coletiva, mas também há os atendimentos individuais. “Para quem quer a cura deverá seguir o resguardo e quem quer somente conhecer seguirá com seus hábitos de vida normalmente. Durante o ritual, a pessoa se apresenta e fala o que veio buscar. Através da palavra deles chegamos aos campos espirituais e trabalhamos por meio do som do tambor, da flauta, do maracá, dos cantos, da palavra e defumação. Começamos às 21h, sem hora para encerrar, tem que estar tudo equilibrado. O objetivo é despertar para a liberdade espiritual e um modo de vida mais consciente. Limpamos todos os campos que trazem coisas ruins como ataques, depressões e pensamentos de suicídio. Hoje, inclusive, pessoas que se utilizam de remédios tarja preta saem sem precisar da medicação”. O xamanismo é um conjunto de rituais muito antigos, que envolve as danças, músicas e o uso de plantas medicinas. Remonta aos primórdios da humanidade, quando não havia distinção entre religião e ciência. Vários povos buscavam, cada um à sua maneira, elementos da natureza para estabelecerem uma conexão com algo superior. Um dos momentos é a consagração da Ayahuasca, a limpeza através de terapia de cura e clareza espiritual. “Utilizamos a planta do tabaco e os instrumentos musicais. Despertamos na pessoa o que já está no interior dela. Nossos avós se tornaram grandes curandeiros e cirurgiões espirituais dessa forma. A cerimônia serve para partilhar o conhecimento da vida. Limpar nossa alma e purificá-la para nossos descendentes. Não há idade para participar, mas os menores só observam. A partir dos 14 anos podem fazer o ritual”.

A PANDEMIA

A notícia que viria uma doença desconhecida e que destruiria inúmeras vidas chegou para Bu’ú quando ele estava em estudos na Colômbia, em 2017, dois anos antes da pandemia de Covid-19. “Lembro que meu mestre me disse que viria uma doença. Assim que encerrou os estudos ele me disse que ocorreria. Eu não me foquei muito no assunto e, logo no início da pandemia tive pneumonia. Ele me disse que eu passaria pela doença e viveria muitos anos. Fui tratado no Hospital Albert Stein, em São Paulo. Em dois dias já estava bem. Um canal foi aberto no mundo espiritual para a entrada do vírus, uma linha impregnada e que traria muitas mortes. Demoraria para passar, mas tudo ia seguir seu curso normal. O fio, como disse o mestre, estava difícil e tinha sido aberto pelo próprio ser humano. O mundo espiritual foi afetado, o chamado esqueleto da humanidade. A estrutura da vida está sendo devorada pelas bactérias deste vírus. O mundo precisa de cura, de ajuda. Queremos trazer energia boa para a terra, enfim, para toda a natureza. Harmonizar tudo”. O indígena lembra que, até o momento, todos que participaram dos rituais não foram afetados pelo coronavírus. “Devemos conciliar a saúde com a espiritualidade. Todos devem tomar a vacina, ela salva vidas. A vacina protege contra doenças, inclusive muitas aldeias que tiveram sarampo, catapora, por exemplo, foram salvas por vacinas. Sempre digo para as pessoas para conciliarem a saúde com a espiritualidade”.

DA TRIBO PARA A CIDADE GRANDE

Vir para a cidade foi um grande desafio, contou. “Cresci em terras indígenas do Alto Rio Negro. Povo Ye’pá Mahsã, povo Tukano do Rio Tiquié, entre Brasil e Colômbia. Na região habitam 25 povos, sendo o idioma principal o Português. Estou trabalhando para adquirir uma terra, com título definitivo para preservar a natureza. Quero criar um ambiente de cura, de estudo e para receber todos meus amigos. No futuro, criar mais núcleos e fortalecer meu povo”. Atualmente, Bu’ú mora em São Paulo. Desde 2009 pratica os rituais fora do Município onde nasceu, em São Gabriel da Cachoeira, único Município, os demais são aldeias. “Já conduzi cerimônias no Rio de Janeiro, São Paulo e desde 2011 na Europa, em Bruxelas, Portugal, entre outros. Cresci vendo rituais. O pai da minha mãe era curandeiro, mas eles eram proibidos para as crianças. Apenas observar até termos conhecimento. Minha mãe falava que eu era temperamental, impaciente e bravo, com a tendência de ser uma pessoa destruidora.”

“A partir do momento que eu fosse me equilibrar e firmar meus conhecimentos, teria grande responsabilidade, e assim ocorreu.”

“Fui para a cidade com 14 anos. Meu pai me disse que iríamos passear na cidade, lá chegamos e ele falou que moraria em São Paulo para estudar. Fiquei apavorado e não queria ficar porque não falava Português. Morei com minha tia e segui em frente. Fui para o Exército. Aprendi muito”. A trajetória passou também pelo Rio de Janeiro, quando Bu’ú fez uma tese sobre a valorização da cultura dos povos indígenas da Amazônia. “Fui como diretor da tese e lá fiquei e depois vim para São Paulo, onde iniciei as rezas. Foi uma abertura para meus caminhos. A primeira vez que vim para Santa Cruz foi através de Lúcia Wink que já conhecia minha companheira Marly. No Sul já venho há cinco anos. No meio político temos a representatividade através da deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR), de Roraima, o primeiro foi o Juruna (PDT). No momento em que caminho no mundo espiritual procuro ser neutro. Também temos a Funai que amparou os indígenas com as demarcações de terras, mas que, no governo atual, está parada”. Para poder trabalhar com os rituais, Bu’ú realiza retiros espirituais. “Estou sempre estudando e adquirindo conhecimentos. No povo Tukano existem três tipos de curandeiros. Os onças, que estão em número bem reduzido, tanto que dentre os 10 mil que falei do clã não há nenhum tucano onça, sou o único. Luto para resgatar esses níveis. Também há os pajés, que são pessoas iniciadas nos rituais e os mestres de cerimônia que cantam e narram e que estão no processo de estudo. Existem pajés e curandeiros formais, que passam por todo o processo de estudo e, informais, que só aprenderam a reza. Só pode ser curandeiro quem for neto ou descendente direto deles, se não for, não podem liderar uma cerimônia. As mulheres, esposas de curandeiros, noras ou netas, serão as parteiras ou as mestres das ervas que ensinam a importância da vida e as relações”. Todos os nomes indígenas têm seu significado. No povo Ye’pá mahsã, o nome Bu’ú traduzido para português diz-se Tucunaré, ou seja, a referência para o peixe encantado dos rios da Amazônia. Este é o nome dado ao homem do clã dos Yaí’wa (os xamãs), tradução tradicional para baya, uhkurin mahsün, o mestre de cerimônia e ser que comunica o conhecimento espiritual. Também representa a pessoa de vida curta e brava.

TERAPIA DOS CRISTAIS

Além da cerimônia xamânica, o Espaço de Vie também contou com um workshop de cristais com a descendente de japoneses Marly Shimada, companheira de Bu’ú. Ambos trabalham com a captação das energias para transformá-las de forma positiva para as pessoas. “Existem mais de 5 mil minerais e estou sempre aprendendo sobre as energias dos cristais, é um estudo sempre constante e eu gosto de cristais desde pequena. Temos uma troca de conhecimentos eu o Bu’ú. Preciso da energia dos rituais, assim como ele dos cristais. Para participar da terapia, as pessoas precisam realizar uma limpeza física e energética. Os cristais são utilizados para meditação, como elixir e até mesmo para ambientes. Podem ser para uso pessoal, em forma de amuletos, também para terapia através da Cristaloterapia ou como forma de proteção”, explica Marly.